De acordo com a denúncia do Ministério
Público Militar (MPM), o sargento, que é pastor, queria "testar" a
convicção religiosa do soldado que é praticante do candomblé.
O
Superior Tribunal Militar (STM) apreciou recentemente um caso inédito de
intolerância religiosa dentro de um quartel do Exército, no Rio. Em
decisão unânime, a corte manteve, em 3 de novembro deste ano, a
condenação do terceiro-sargento José Ricardo Mitidieri a dois meses de
prisão pelo crime de constrangimento ilegal.
O sargento, porém,
conseguiu o direito da suspensão condicional da execução da pena por
dois anos, caso não volte a ser denunciado por outro crime durante este
período. Além disso, Mitidieri poderá recorrer da condenação em
liberdade.
De acordo com a denúncia do Ministério Público Militar
(MPM), o sargento — que é pastor da igreja evangélica Comunidade Cristã
Ministério da Salvação — teria apontado uma pistola na cabeça do
soldado Dhiego Cardoso Fernandes dos Santos, praticante do candomblé,
com o objetivo de "testar" a convicção religiosa do subordinado.
O
caso ocorreu em 8 de abril de 2010, no interior da reserva de armamento
do 1º Depósito de Suprimento do Exército, em Triagem, Zona Norte do
Rio.
Após ouvir de outros militares que o soldado Cardoso dizia
que tinha o "corpo fechado" (isto é, protegido de qualquer mal), o
sargento Mitidieri se dirigiu ao local onde o subordinado estava fazendo
a manutenção em fuzis com uma pistola 9 milímetros em punho.
Em seguida, segundo o MPM, Mitidieri carregou a arma e a apontou na direção da cabeça do soldado e disse:
— Vamos fazer como nos filmes. Você tem o corpo fechado mesmo?
— Sim — disse Cardoso.
Mitidieri refez a pergunta outras duas vezes, e obteve a mesma resposta.
— Então conte até três — ordenou o sargento.
Ainda de acordo com o MPM, antes de Cardoso terminar a contagem, Mitidieri abaixou a arma, dizendo:
— Não é para você brincar com coisa séria. Você tem que aceitar Jesus!
Dias
depois, Mitidieri pediu desculpas ao soldado, dizendo que a munição que
havia colocado na pistola era de manejo (não-letal).
Em seu
interrogatório, o sargento disse que "não teve o objetivo de constranger
o soldado, mas defendê-lo de brincadeiras posteriores, pois ele tirava
serviço na guarda e as brincadeiras sobre o assunto (de que ele tinha o
corpo fechado) já estavam ocorrendo".
Para o MPM, o soldado apostou a vida
O
sargento afirmou ainda que "nunca teve qualquer preconceito com as
demais religiões, dando-se muito bem com pessoas de outras crenças" e
"que baixou a arma porque percebeu que não procedera corretamente".
Para
o MPM, porém, o soldado Cardoso foi submetido "a um verdadeiro teste de
fé religiosa" e "apostou sua vida ao responder afirmativamente à
pergunta que lhe foi feita pelo réu, sendo certo que não há previsão
legal no sentido de que alguém seja obrigado a testar ou provar sua fé
religiosa, independentemente da crença que possui ou da doutrina que
segue. Ao contrário, a Carta Magna assegura a inviolabilidade da
liberdade de consciência e crença".
Advogado de Mitidieri, Rafael Correia disse que vai recorrer da condenação ao Supremo Tribunal Federal:
—
O próprio soldado disse que em nenhum momento se sentiu ameaçado porque
sua religião estava em prova. Para que haja constrangimento ilegal, é
necessário que exista ameaça. Então, não houve crime. O máximo que
ocorreu foi uma transgressão disciplinar.
‘Todos têm liberdade de professar sua fé’
Para
o ministro Francisco Fernandes, relator do processo no STM, é evidente
que "o que motivou o constrangimento ilegal foi a intolerância
religiosa". Ainda segundo o voto do ministro, "o acusado deixou claro o
seu inconformismo, em razão da sua crença religiosa, dizendo que era
inadmissível alguém considerar que tinha o ‘corpo fechado’, e, assim,
resolveu testar a fé do ofendido".
Direitos assegurados
Em
nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que não
compactua com qualquer forma de intolerância dentro de seus quartéis: "O
Exército cumpre rigorosamente os instrumentos legais, observando os
direitos estabelecidos na Constituição, sem qualquer tipo de
discriminação. O respeito ao indivíduo e à dignidade da pessoa humana,
em todos os níveis, é condição imprescindível ao bom relacionamento
entre seus integrantes e está alinhado com os pilares da Instituição: a
hierarquia e a disciplina".
A nota diz ainda que "cada um dos
integrantes do Exército tem seus direitos assegurados na forma do que
está previsto na lei e, portanto, tem liberdade de professar sua fé,
independentemente de credo ou religião".
Fonte: Extra