Meu caro Tadeu,
Fiquei muito
feliz com a notícia de que você está pastoreando a igreja de seus pais
desde o ano passado. Agradeço a sua carta comunicando o fato e também a
confiança depositada em mim, ao expor os conflitos com o ‘grupo de
louvor’ de sua nova igreja. Percebo que desde sua posse esse tem sido um
dos assuntos que mais o tem afligido.
Você foi
eleito para cinco anos e ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Como pastor da igreja, você tem prerrogativas quanto à condução do culto
e autoridade para orientar o que vai ser cantado no culto e a maneira
como isso vai ser feito. Em alguns casos, o desgaste já é tão grande que
não existe mais diálogo possível entre o pastor e o grupo de louvor.
Espero que não seja esse o seu caso, e nessa esperança, dou-lhe alguns
conselhos.
1) Aconselho que você reconheça que
nós, reformados, já perdemos a batalha por um culto simples,
espiritual, teocêntrico e equilibrado. O movimento gospel veio para
ficar. Nós perdemos, Tadeu, porque erramos na estratégia. Há cerca de
dez anos, quando a Igreja Batista da Lagoinha começou a comandar o
louvor nas igrejas evangélicas no Brasil, preferimos resistir
frontalmente e insistir com nossas igrejas a que ficassem com os hinos
de nosso hinário. Foi um erro. Poderíamos, além disso, ter apresentado
uma alternativa às músicas deles. Há exceções, mas muitas delas são
sofríveis, musicalmente falando, e têm uma teologia fraquíssima. São
cânticos permeados de conceitos arminianos, neopentecostais, da teologia
da prosperidade e da batalha espiritual, característicos daquilo que é
produzido pelos músicos e cantores gospel da atualidade. Infelizmente,
não conseguimos oferecer nada melhor desde o início, a não ser apelos
para ficarmos com os hinos tradicionais.
2) Comece solicitando ao grupo de louvor
uma relação de todos os cânticos do seu repertório e se comprometa a
estar em todos os ensaios deles para estudo bíblico a respeito do louvor
e da adoração, para analisar a propriedade, a teologia e até mesmo o
português desses cânticos. Nesses encontros, aja humildemente e não
autoritariamente. Lembre-se que eles estão acostumados a tocar tudo o
que querem sem serem críticos do que estão cantando. Procure conduzir as
discussões para a Bíblia, como o referencial último de tudo o que vai
ser feito no culto. Leve-os a perceberem por si próprios que
determinadas letras são inadequadas e a desistirem delas. Nesse sentido,
seu maior aliado é o púlpito. Pregue sobre a centralidade de Deus no
culto, sobre a necessidade da boa doutrina, sobre o perigo dos falsos
ensinamentos, sobre o poder da música para o bem e para o mal e o
imperativo de mantermos o culto dentro dos parâmetros bíblicos.
3) Coloque como regra inflexível – se possível
aprovada como decisão do Conselho da Igreja – que todos os
participantes do grupo de louvor também devem estar totalmente
integrados na vida da igreja, participando da escola dominical, das
sociedades domésticas, sendo assíduos aos cultos. Mais importante do que
tudo, deve ser colocada como condição sine qua non, que suas vidas
sejam irrepreensíveis, sendo exemplo para os demais jovens da igreja.
Insista que eles devem participar do culto todo e que é inaceitável que
após a parte deles, que saiam e fiquem do lado de fora da igreja. Não
abra mão disso.
4) Com muito cuidado, procure diminuir o volume
com que eles tocam. Domingo à noite fui pregar em uma igreja e
sentei-me no primeiro banco, aguardando o momento da pregação. O volume
do grupo de louvor estava tão alto que não aguentei – levante-me e sai
discretamente. Quando consegui sair do local e chegar do lado de fora,
meus ouvidos estavam zumbindo. De alguma maneira, os grupos de louvor
têm a idéia de que os cânticos têm que ser tocados e cantados com os
instrumentos e o vocal no volume máximo. Uma coisa que você pode fazer
para convencê-los de que sempre estão tocando muito mais alto do que é
necessário é conseguir trazer um especialista com um medidor de decibéis
durante os ensaios para medir o nível de ruído. Isso vai mostrar para
eles como muitas pessoas se sentem incomodados – inclusive vizinhos
silenciosos que não vão reclamar na polícia, mas que no íntimo já
tomaram a decisão que jamais se tornarão crentes. Em especial, trabalhe
com o baterista, procurando convencê-lo que o alvo da bateria não é
fazer barulho, mas marcar o compasso da música de maneira discreta,
misturando-se com a melodia, a ponto de se tornar quase imperceptível.
Esse provavelmente será o seu trabalho mais difícil. Se quiser o
testemunho de um presbítero que quase ficou surdo com o volume do grupo
de louvor, veja seu testemunho aqui.
5) Uma outra tarefa difícil será convencer o guitarrista
principal de que o culto não é show e nem os louvores uma oportunidade
dele mostrar solos incríveis de guitarra. Exibições individuais da
performance dos instrumentistas apenas chamam a atenção para eles – não
para Deus. Como alternativa, sugira uma noite de som gospel, num sábado à
noite, onde outras bandas poderão ser convidadas para um festival de
gospel. E tenha cuidado para não dar a esse encontro qualquer conotação
de culto. Lá eles podem mostrar toda a sua capacidade com a guitarra.
Mas, no culto, usem os instrumentos de forma discreta, para acompanhar
os cânticos.
6) Tente mostrar para eles que mandar o povo ficar em pé
toda vez que assumem o microfone nem sempre fica bem. Às vezes o pastor
acabou de mandar o povo sentar. Deixem o povo sentado. Não vai
prejudicar em nada o louvor se o povo ficar sentado. Além disso, tem
velhos, idosos e pessoas doentes que não conseguem ficar vinte minutos
em pé. Eles devem pensar também no pregador da noite, que além de ficar
em pé durante o tempo do louvor, vai ficar em pé mais uma hora pregando.
Não tem quem aguente.
7) Procure convencê-los a ocupar menos tempo da liturgia.
Se conseguir, será uma grande vitória. Uma sugestão que você pode dar
nesse sentido é que não repitam o mesmo cântico duas ou três vezes, como
costumam fazer. Também, que cortem as ‘introduções’, geralmente
compostas da repetição de frases clichês e batidas que não dizem nada.
Se você conseguir convencer o líder do grupo que a tarefa dele é cantar e
não exortar e dar testemunho, irá diminuir bastante o tempo empregado
no louvor, além de poupar os ouvidos dos crentes de ouvir besteiras,
frases clichês, chavões batidos, que só tomam tempo mesmo.
8) Outra coisa que me ocorre: insista
em que estejam preparados antes do culto. Fica muito feio e distrai o
povo quando os componentes do grupo de louvor ficam afinando
instrumentos, equalizando o equipamento de som, plugando e desplugando
microfones e fios quando o culto já começou. Ensine-os a serem
profissionais naquilo que fazem, e que Deus é Deus de ordem.
9) Procure mostrar que eles não são levitas.
Não temos mais levitas hoje. Todo o povo de Deus, cada crente em
particular, é um levita, um sacerdote, como o Novo Testamento ensina. É
uma idéia abominável que os membros do grupo de louvor são levitas. Isso
reintroduz o conceito que foi abolido na Reforma protestante de que o
louvor e o acesso a Deus são prerrogativas de apenas um grupo e não de
todo o povo de Deus. Resista firmemente a essas idéias erradas, que são
oriundas das igrejas neopentecostais, especialmente daquelas que se
fizeram em cima do movimento de louvor. Tais conceitos apenas servem
para que eles se sintam mais especiais do que realmente são e, portanto,
intocáveis. Procure incutir na mente deles que aquilo que eles fazem no
culto não é mais louvor e mais espiritual do que o cântico de hinos
acompanhados ao órgão ou ao piano.
10) Por fim, ore bastante para que os membros do grupo
de louvor não sejam filhos de presbíteros e de famílias influentes da
igreja, porque se forem, profetizo que sua missão fracassará. Por mais
crentes e sérios que os presbíteros sejam, eles não irão contra a sua
própria família, e muito menos contra os seus filhos. Você não terá o
apoio deles para reduzir, minimizar, limitar e mesmo qualificar a
participação do grupo de louvor no culto. Nesse caso, restarão poucas
opções. Uma delas é capitular inteiramente e simplesmente deixar o grupo
de louvor fazer o que sempre fez, suportando heroicamente, enquanto ora
baixinho no culto, ‘Deus, dá-me paciência para que eu possa suportar
esse calvário durante o tempo em que fui eleito aqui’. Outra opção é
simplesmente pedir as contas e ir embora para outra igreja, tendo
aprendido a importante lição de que a primeira pergunta que se faz ao
ser convidado para ser pastor de uma igreja é essa: ‘tem grupo de
louvor? Os componentes são filhos dos presbíteros?’
Um velho
pastor do Recife costumava se referir ao conjunto da sua Igreja como
‘cão junto’. Espero que não chegue a esse ponto em sua igreja, Tadeu,
mas que você encontre misericórdia da parte de Deus para que esse
desafio seja vencido e que sua igreja desfrute do verdadeiro louvor
durante os cultos.
Um abraço! Augustus”
Nota: A
carta é fictícia. Toda semelhança com qualquer situação pela qual algum
pastor reformado esteja passando será mera coincidência…
Fonte: Rev. Augustus Nicodemus Lopes em O Tempora, O Mores
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